17 de maio de 2011

ASPECTOS ÉTICOS DA FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA



No exercício da Medicina é essencial a observação de três aspectos, a saber:
O conhecimento profissional do assunto;
A utilização de técnicas psicomotoras para obtenção do objetivo;
O comportamento do profissional diante de sua responsabilidade; diante dos direitos humanos; normas de relação com pacientes e familiares; o sigilo diante de assuntos pessoais; a obediência à legislação existente.
No exercício da Medicina podemos dividir a atuação em duas partes, isto é, a medicina preventiva e a medicina curativa.
Na primeira tomamos medidas no sentido de evitar doenças; na segunda, tratamos das doenças com a finalidade de restabelecer o estado hígido.
No caso da atenção específica à reprodução assistida, talvez não possamos enquadrá-la nem na medicina curativa, nem na medicina preventiva, já que não lida com doenças a serem prevenidas ou tratadas, mas sim a anseios e expectativas.
No caso específico, ainda que o conhecimento do assunto e a habilidade de executar atividades psicomotoras sejam fundamentais, o aspecto afetivo caracterizado pelo comportamento profissional diante da situação se reveste de importância fundamental. Os aspectos emocionais tem importância como fator etiológico ou consequência clínica da infertilidade (1).
É importante esclarecer que o redator deste, não se dedica a Reprodução assistida, apenas é especialista em Ginecologia e Obstetrícia, que já se dedica a mais de 10 anos à fiscalização do exercício profissional no Conselho Federal de Medicina, analisaremos os fatos dentro de uma visão estritamente ética, onde obrigatoriamente temos de obedecer a legislação específica do país. Assim sendo nossa visão não é especificamente científica, atuando diretamente através de seus conhecimentos e de sua atuação nas técnicas psicossomáticas para obtenção do resultado esperado, mas simplesmente sobre as atitudes a serem obedecidas diante da legislação vigente. É importante destacar que embora existam no Congresso Nacional diversos projetos de lei referentes à reprodução assistida, não existe lei específica a respeito, existindo apenas resolução do Conselho Federal de Medicina, de 1992, revisada em 2010. De acordo com a lei 3268/57 compete aos Conselhos de Medicina fiscalizar o exercício ético da profissão, sendo, portanto obrigatório aos médicos obedecer às suas normas.
Diante de uma situação específica em que o Conselho de Medicina tem por obrigação se manifestar e determinar condutas, habitualmente instala uma Câmara Técnica de especialistas que, juntamente com Conselheiros, analisam os fatos e redigem um documento a ser avaliado em última instância pelo Conselho Federal de Medicina, reunido em Sessão Plenária, que faz ou não as modificações que julgar necessárias, editando uma Resolução a ser obedecida pelos profissionais médicos.
Várias são as técnicas a serem usadas em reprodução assistida, desde as mais simples como a indução da ovulação seguida de coito programado, a inseminação artificial de espermatozóides do parceiro ou de terceiros, até a utilização de técnicas que permitam produzir a fertilização “in vitro”, para posterior inserção no organismo que gestará o embrião.

Ao longo do tempo novas aquisições científicas, e modificações do comportamento social poderão exigir que sejam revistas as normas existentes para a prática da Reprodução assistida. É o que aconteceu em 2010, quando nova Resolução substituiu a resolução anterior em aspectos específicos, decorrentes de aquisições científicas e mudanças de comportamento social.

Transcrevemos a seguir nossa Resolução 1957/2010 que substituiu e revogou a Resolução 1.358/1992 e a seguir, baseados na nova resolução mostraremos o que mudou no exercício das condutas diante da reprodução assistida.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010
(Publicada no D.O.U. de 06 de janeiro de 2011, Seção I, p.79)


A Resolução CFM nº 1.358/92, após 18 anos de vigência, recebeu modificações relativas à reprodução assistida, o que gerou a presente resolução, que a substitui in totum.


O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico permite solucionar vários dos casos de reprodução humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de reprodução assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias, o que não era possível pelos procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 15 de dezembro de 2010,


RESOLVE


Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.

Art. 2º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução CFM nº 1.358/92, publicada no DOU, seção I, de 19 de novembro de 1992, página 16053.

Brasília-DF, 15 de dezembro de 2010


ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E SILVA
Presidente Secretário-geral


ANEXO ÚNICO DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10

NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

I - PRINCÍPIOS GERAIS
1 - As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.
2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.
3 - O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 - É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.
6 - O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.
7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.

II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA

1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente.

III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:
1 - um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.
2 - um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões.
3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
5 - Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.
6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham participar como doador nos programas de RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões.
2 - Do número total de embriões produzidos em laboratório, os excedentes, viáveis, serão criopreservados.
3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE EMBRIÕES

As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica
1 - Toda intervenção sobre embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que não a de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
2 - Toda intervenção com fins terapêuticos sobre embriões "in vitro" não terá outra finalidade que não a de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
3 - O tempo máximo de desenvolvimento de embriões "in vitro" será de 14 dias.

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética.
1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM

Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.


Destacamos os textos que modificam a Resolução 1.358/92 e procuramos justificar a nova redação da resolução em vigor.


I - NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Apenas em 6 há uma recomendação do número de embriões a serem introduzidos no útero da receptora, como explicitado:
Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões. Isto se justifica pelo fato de que a medida em que a idade vai avançando o êxito do processo de fertilização vai diminuindo. Por este motivo nas mulheres mais idosas vão sendo implantados um número maior de embriões.

II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA

1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente.


A resolução 1358/92 em II USUARIOS DE TECNICA DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, se referia a mulheres; a nova resolução 1957/2010 se refere a todas as pessoas e não somente a mulheres, Esta nova redação se deve a aceitação por parte do Conselho Federal de Medicina das relações homoafetivas.


III REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA:
Apenas explicitam que as normas são devidas a Usuários e não exclusivamente usuárias, Considerando restarem aceitas a utilização da RA para casais homoafetivos.

I V O texto da nova resolução não altera o texto anterior.

V CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES. O termo pré-embrião está abandonado o termo é embriões.

A nova resolução dá a 2 a seguinte redação: Do número total de embriões produzidos em laboratório os excedentes viáveis serão criopreservados.

VI DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE EMBRIÕES
O texto da nova resolução não altera os objetivos da anterior.
Comentário:
A Lei nº 11.105 de 24 de março de 2005. (4) Estabelece em seu artigo 5º que É permitida, para fins de pesquisa e terapia a utilização de células tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento.
§ 1º - Em qualquer caso é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células tronco embrionárias deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comités de ética em pesquisa.
§ 3º - É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica em crime tipificado no art.15 da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (2).

VII SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO – DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO.
A Nova resolução não altera o texto da resolução anterior.


A Resolução 1957/2010 acrescenta :

VIII – REPRODUÇÃO ASISTIDA PÓS-MORTEM.

VII Não constitui ilícito ético a reprodução assistida pós mortem dedes que haja autorização específica do (a) falecido(a) para uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.


JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO
Conselheiro Relator da Resolução CFM nº 1.957/2010
Diretor Tesoureiro do CFM


Referências bibliográficas
1 – Sintomatologia psicológica e psiquiátrica em casais inférteis: Fator Etiológico ou Consequência Clínica da Infertilidade? Ana Luiza Berwanger Silva, Isabela Piva Fuhrmeister, Edison Capp, Helena Von Eye Corleta. Rev. Ginec & Obst. 14(2), 88 – 91 – 2003.
2 – Resolução CFM 1.957/ 2010 . Publicada no D.O.U. de 06 de janeiro de 2011,seção I p.79
3 – Resolução CFM 1.358/1992. Publicado no D.O.U. 19 de novembro de 1992, seção I p. 16053. Revogada pela Resolução 1 957/2010.
4 – Lei 11.105 de 24 de março de 24 de março de 2005.

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