26 de novembro de 2012

Avanço da medicina genômica provoca preocupações éticas entre especialistas


25 de novembro de 2012 | 2h 06


HERTON ESCOBAR - O Estado de S.Paulo
A aplicabilidade da medicina genômica personalizada - assim como as preocupações médicas e bioéticas que a acompanham - está cada vez mais precoce. Novas tecnologias já permitem sequenciar o genoma de uma pessoa em praticamente todos os estágios do desenvolvimento humano, do embrião até o indivíduo adulto. Imaginar um futuro em que cada ser humano terá seu genoma sequenciado ao nascer - ou até antes disso - deixou de ser ficção científica para se tornar uma realidade tecnicamente plausível.

Vários avanços fundamentais ocorreram nos últimos seis meses. Em junho, cientistas da Universidade de Washington anunciaram ter sequenciado pela primeira vez, de forma não invasiva, o genoma de um feto humano em gestação, utilizando apenas o DNA fetal circulante no sangue da mãe. Um mês depois, um grupo da Universidade Stanford fez a mesma coisa. E mais recentemente, em outubro, uma equipe do Kansas desenvolveu uma tecnologia que permite sequenciar e analisar o genoma completo de um recém-nascido em pouco mais de 48 horas.
Some a isso a capacidade de detectar anomalias genéticas e cromossômicas em embriões in vitro e as técnicas cada vez mais rápidas, simples e baratas, disponíveis para sequenciar o genoma de pessoas adultas, e não há etapa do desenvolvimento humano que esteja imune ao escrutínio das ciências genômicas.
Todas essas tecnologias surgem acompanhadas de muita expectativa, relacionada ao seu potencial para ajudar no diagnóstico e tratamento de doenças, mas também de muita apreensão, relacionada a questões éticas e legais associadas à sua utilização.
"São avanços importantes, mas que também nos deixam preocupadas", diz a médica geneticista Chong Ae Kim, chefe da Unidade de Genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo. "Nas mãos de pessoas pouco habilitadas, essas informações podem gerar mais dúvidas do que soluções."
"Ter um diagnóstico precoce é importante quando a doença é tratável. Mas e se não for?", indaga sua colega Débora Bertola, também médica geneticista.
Tipicamente, exames de DNA são usados para confirmar - ou descartar - um diagnóstico clínico feito pelos médicos. São exames focados, que sequenciam pequenas regiões do genoma em busca de mutações específicas conhecidas. O que o paciente recebe no final é basicamente um resultado positivo ou negativo - se tem ou não a mutação.
Num cenário de sequenciamento generalizado do genoma, a ordem dos fatores se inverte: são as informações genéticas que vão forçar os médicos a fazer um diagnóstico clínico. "Quando se olha para o genoma inteiro, a coisa fica bem mais complexa. Você vai encontrar fatores de risco para problemas que poderão se manifestar só na vida adulta, além de um monte de coisas que ainda não sabemos como interpretar. O problema é: quando e como você informa isso para o paciente?", questiona Débora.
Ela cita o exemplo da coreia de Huntington, uma doença neurodegenerativa incurável, causada por uma única mutação, que só começa a causar problemas por volta dos 50 anos de idade. "Há um consenso de que não se faz teste genético preditivo em crianças; porque num caso como esse não temos nenhuma solução a oferecer", diz Chong.
Preocupação. "Você vai acabar repassando aos pais um monte de informações sobre as quais eles não podem fazer nada além de se preocupar", diz a médica e pesquisadora Diana Bianchi, da Faculdade de Medicina da Universidade Tufts, que escreveu recentemente sobre o assunto na revista Nature Medicine.
Segundo ela, nem médicos nem pacientes estão preparados para lidar com esse volume de informações genéticas - que mesmo os cientistas ainda têm grande dificuldade para interpretar. "Para cada problema que é possível resolver, você vai encontrar centenas de problemas sobre o quais não pode fazer absolutamente nada. Há um problema ético muito sério nisso", diz.
Espera. Apesar da velocidade com que as tecnologias avançam, Diana acredita que levará tempo para que o sequenciamento genômico de fetos e recém-nascidos seja incorporado ao dia a dia da medicina. "Alguma empresa, sem dúvida, vai colocar isso no mercado, mas não acho que será incorporado aos sistemas de saúde tão rapidamente", diz.
Assim como Chong e Débora, ela destaca o benefício de detectar doenças genéticas precocemente em muitos casos, mas acredita que os testes devem ser focados na busca de mutações específicas, clinicamente relevantes para o paciente, e não num sequenciamento despropositado do genoma como um todo.
Os próprios inventores do sequenciamento não invasivo do genoma fetal concluem a descrição da técnica na revista Science Translational Medicine com a seguinte ressalva: "Assim como em outras áreas da genética clínica, nossa capacidade de produzir dados está se sobrepondo à nossa capacidade de interpretá-los de forma que seja útil para médicos e pacientes".
"Tínhamos amostra de DNA congeladas (do sangue da mãe grávida) e queríamos saber se era possível fazer isso (sequenciar o genoma do feto)", conta Jacob Kitzman, um dos autores principais do estudo. "Muitas coisas precisam ser levadas em consideração antes que isso possa ser aplicado clinicamente em larga escala", diz. "Para a grande maioria das doenças, conhecer o genoma completo não tem tanta relevância. Há muitas variáveis que não significam nada."
A aplicação mais imediata da tecnologia, segundo Kitzman, deverá ser na detecção precoce e sem riscos de anomalias genéticas e cromossômicas (como a trissomia do cromossomo 21, da síndrome de Down), que hoje só podem ser diagnosticadas por métodos invasivos, como biópsia de placenta ou coleta de líquido amniótico - que carregam um risco pequeno, porém significativo (1%), de perda da gravidez.
"Em vez de perfurar o útero da mãe com uma agulha, você tira o DNA do sangue", resume a médica Rita Sanchez, chefe do setor de Medicina Fetal do Hospital Israelita Albert Einstein. Nesse caso, o benefício é óbvio.
Já no caso de vasculhar o genoma como um todo, segundo ela, a aplicabilidade das informações ainda vai depender de muita pesquisa. "Acho que estamos entrando numa nova era de aprendizado", diz Rita. "Vamos descobrir muitas mutações novas que não sabemos o que significam. Vai ter muito trabalho para todo mundo."
O tema foi um dos mais debatidos na reunião anual da Sociedade Americana de Genética Humana, realizada no início do mês em São Francisco, na Califórnia.

No embrião, só falta o genoma completo

 

25 de novembro de 2012 | 2h 05

O Estado de S.Paulo
O único estágio do desenvolvimento humano que ainda não foi conquistado completamente pela genômica é o do embrião. Mas falta pouco.

Há muitos anos já é possível fazer análises genéticas e cromossômicas no DNA de células embrionárias individuais, extraídas de embriões produzidos in vitro. O teste, conhecido como diagnóstico genético pré-implantacional, é usado para selecionar embriões em clínicas de fertilidade, especialmente nos casos em que há mutações hereditárias conhecidas na família.
Ninguém ainda, porém, conseguiu sequenciar o genoma completo de um embrião sem destruí-lo, porque a quantidade de DNA que se obtém de uma única célula - ou mesmo de duas ou três células - é pequena demais. Até dá para sequenciar, mas com uma taxa de erros ainda muito alta, que compromete a confiabilidade dos dados no final.
Apesar disso, não falta gente tentando. Teoricamente, é algo possível de ser feito; basta aprimorar a tecnologia. "Vários grupos estão tentando sequenciar o genoma de uma única célula, e a aplicação disso na área de reprodução assistida é certamente uma das mais promissoras", diz Jacob Kitzman, da Universidade de Washington, nos EUA.
"É algo que certamente vamos poder fazer no futuro", diz o médico brasileiro Edson Borges, especialista em reprodução humana. Assim como em adultos, crianças ou fetos, porém, ele tem dúvidas sobre a utilidade clínica de sequenciar o genoma completo de um embrião.
"O que a gente entende do genoma ainda é muito pouco", argumenta Borges. "Não vejo utilidade para isso no curto prazo."
Até pouco tempo atrás, para o diagnóstico pré-implantacional, retirava-se apenas uma célula do embrião de 3 dias. Agora, segundo Borges, já é possível retirar até cinco células de um embrião de cinco dias, sem comprometer seu desenvolvimento.
Ainda assim, uma limitação do teste é que não há como saber com qual grau de fidelidade o DNA dessas células representa o genoma do embrião como um todo. "Ainda que a gente consiga sequenciar o genoma completo, vamos pairar nessa dúvida", conclui Borges. / H.E.




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