Quando
desembarquei em Rondônia para exercer a Medicina, cheguei jovem e
cheio de planos. Três décadas depois, ainda acredito que é
possível fazer mais e melhor. Se foi assim até o agora, assim o
será no futuro. Aprendi com o povo deste Estado – nativo ou
adotado pelo coração da Amazônia – que com determinação se
chega longe. No entanto, as sucessivas experiências me deram outra
lição como presente: além da força para lutar, é necessário dar
cada passo ponderando as consequências de nossas ações.
Em 30
anos, Rondônia floresceu. Deixou de ser território, virou Estado e
se desenvolveu muito além do que se imaginava. Orgulho-me de ter
participado e contribuído com este processo como cidadão e como
profissional. Aqui, estão minha família, meus amigos e alguns dos
mestres que ensinaram os valores que orientam minha vida: a
solidariedade, a ética, a justiça e o respeito pelo outro.
Infelizmente,
o mesmo Estado que me enche de orgulho, me deixa preocupado. O futuro
é incerto e, por conta de sucessivos equívocos de gestão, os
sonhos de desenvolvimento e bem estar de milhões podem ser
comprometidos. Em meio a uma série de problemas, me chama a atenção
redobrada o caos instalado no campo da saúde pública, que afeta
pacientes e penaliza os profissionais da área, em especial os
médicos.
Há
poucos dias, um grupo de 10 médicos cubanos foi recebido com pompa e
circunstância pelo Governo. Foram os primeiros intercambistas do
Programa Mais Médicos a chegar ao Estado. A premissa de base
(melhorar o acesso à assistência em saúde) é incontestável,
contudo, a forma como esta estratégia tem sido alavancada deixa
exposto o real interesse dos seus apoiadores: iludir a população em
busca de apoio eleitoral em 2014.
Os
defensores do Mais Médicos agem de forma irresponsável ao reduzir a
resposta às enormes dificuldades vivenciadas pelos rondonienses a
simples presença de um médico num posto de saúde. Numa lógica
perversa, atiram sobre os médicos brasileiros a responsabilidade do
caos nos centros de atendimento, dão aos estrangeiros ares de
“salvadores da pátria” e posam de mocinhos. Mas essas falácias
não resistem aos argumentos.
Em
primeiro lugar, é preciso deixar claro: a população merece a
atenção de médico que consiga comprovar que sabe fazer Medicina.
Os cubanos e os outros intercambistas do Mais Médicos até o momento
não fizeram isso. Podem até ser bem intencionadas, mas será que
têm competência para atender um paciente grave, durante um ataque
cardíaco? Médico que é médico tem que saber de tudo um pouco:
desde uma consulta até um procedimento urgente para salvar uma vida.
Se não sabe ou não pode agir assim, o povo recebe um meio-médico.
Outro
ponto ignorado pelos gestores: um médico sozinho - sem apoio de
equipe (enfermeiros, auxiliares, etc.), sem medicamentos, sem exames,
sem leitos, sem instalações adequadas – consegue fazer bem
Medicina. Ele pode até trazer conforto psicológico, mas
efetivamente não terá a resolutividade esperada. Ficará sempre a
meio caminho entre o ideal e a necessidade do paciente. Isso
configura outra injustiça grave estimulada pelos gestores que
preferem soltar rojões do que investir na melhora da saúde pública
no Estado.
Finalmente,
vejo o desrespeito grosseiro com os nosso médicos, que têm dedicado
suas vidas e trajetórias ao trabalho no Estado. O gestor passa a nos
tratar como vilões e dirige aos “recém-chegados” mensagens de
estímulo e elogios que a categoria jamais recebeu. Essa outra
injustiça é apenas um exemplo da indiferença com que o Governo
trata os profissionais. Certamente, o problema de acesso teria sido
resolvido há tempos se, em lugar de fazer programas midiáticos, o
Governo tivesse criado uma carreira de Estado para os médicos do
SUS, com remuneração adequada e oferta de condições reais de
trabalho.
Vou me
limitar a estes três pontos, mas podem estar certos que as críticas
são muito maiores. Precisamos mudar essa situação em prol de uma
assistência de qualidade para o paciente e pela valorização dos
nossos médicos. Fechar os olhos a esta realidade é equívoco grave,
que, como disse antes, será cobrado das futuras gerações.
O
Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero) tem
sido um espaço importante de luta por esses objetivos. Ao questionar
politicamente as medidas adotadas, denunciar os erros da gestão e
fiscalizar a boa prática médica, essa importante entidade cumpre
seu papel. Para tanto, a autonomia, a independência e a isenção
são fundamentais. Por isso, seu corpo de conselheiros deve ser
composto por homens e mulheres que não tem vínculos que comprometam
esse trabalho.
A
presença de pessoas com cargos importantes em órgãos do governo,
por exemplo, me faz questionar se o Cremero terá fôlego para
continuar agindo como tem feito. Será que ele não ficaria
subordinado aos interesses de um grupo específico? Certamente, sem
essa reação do Cremero, esse grupo não enfrentaria resistência
para continuar agredindo o cidadão e o médico rondoniense com
medidas e ações que em nada contribuem para uma saúde melhor.
Quero
continuar sentindo orgulho de meu Estado e manter-me ativo na luta
contra os interesses que prejudicam nossa população. Por isso, peço
a todos a reflexão necessária que pode ser a diferença entre a
submissão e a altivez. Cabe a nós decidir como queremos ser
reconhecidos.
Jose Hiran Gallo
Jose Hiran Gallo
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