1 de novembro de 2013

O Futuro em Nossas Mãos


Quando desembarquei em Rondônia para exercer a Medicina, cheguei jovem e cheio de planos. Três décadas depois, ainda acredito que é possível fazer mais e melhor. Se foi assim até o agora, assim o será no futuro. Aprendi com o povo deste Estado – nativo ou adotado pelo coração da Amazônia – que com determinação se chega longe. No entanto, as sucessivas experiências me deram outra lição como presente: além da força para lutar, é necessário dar cada passo ponderando as consequências de nossas ações.
Em 30 anos, Rondônia floresceu. Deixou de ser território, virou Estado e se desenvolveu muito além do que se imaginava. Orgulho-me de ter participado e contribuído com este processo como cidadão e como profissional. Aqui, estão minha família, meus amigos e alguns dos mestres que ensinaram os valores que orientam minha vida: a solidariedade, a ética, a justiça e o respeito pelo outro.
Infelizmente, o mesmo Estado que me enche de orgulho, me deixa preocupado. O futuro é incerto e, por conta de sucessivos equívocos de gestão, os sonhos de desenvolvimento e bem estar de milhões podem ser comprometidos. Em meio a uma série de problemas, me chama a atenção redobrada o caos instalado no campo da saúde pública, que afeta pacientes e penaliza os profissionais da área, em especial os médicos.
Há poucos dias, um grupo de 10 médicos cubanos foi recebido com pompa e circunstância pelo Governo. Foram os primeiros intercambistas do Programa Mais Médicos a chegar ao Estado. A premissa de base (melhorar o acesso à assistência em saúde) é incontestável, contudo, a forma como esta estratégia tem sido alavancada deixa exposto o real interesse dos seus apoiadores: iludir a população em busca de apoio eleitoral em 2014.
Os defensores do Mais Médicos agem de forma irresponsável ao reduzir a resposta às enormes dificuldades vivenciadas pelos rondonienses a simples presença de um médico num posto de saúde. Numa lógica perversa, atiram sobre os médicos brasileiros a responsabilidade do caos nos centros de atendimento, dão aos estrangeiros ares de “salvadores da pátria” e posam de mocinhos. Mas essas falácias não resistem aos argumentos.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro: a população merece a atenção de médico que consiga comprovar que sabe fazer Medicina. Os cubanos e os outros intercambistas do Mais Médicos até o momento não fizeram isso. Podem até ser bem intencionadas, mas será que têm competência para atender um paciente grave, durante um ataque cardíaco? Médico que é médico tem que saber de tudo um pouco: desde uma consulta até um procedimento urgente para salvar uma vida. Se não sabe ou não pode agir assim, o povo recebe um meio-médico.
Outro ponto ignorado pelos gestores: um médico sozinho - sem apoio de equipe (enfermeiros, auxiliares, etc.), sem medicamentos, sem exames, sem leitos, sem instalações adequadas – consegue fazer bem Medicina. Ele pode até trazer conforto psicológico, mas efetivamente não terá a resolutividade esperada. Ficará sempre a meio caminho entre o ideal e a necessidade do paciente. Isso configura outra injustiça grave estimulada pelos gestores que preferem soltar rojões do que investir na melhora da saúde pública no Estado.
Finalmente, vejo o desrespeito grosseiro com os nosso médicos, que têm dedicado suas vidas e trajetórias ao trabalho no Estado. O gestor passa a nos tratar como vilões e dirige aos “recém-chegados” mensagens de estímulo e elogios que a categoria jamais recebeu. Essa outra injustiça é apenas um exemplo da indiferença com que o Governo trata os profissionais. Certamente, o problema de acesso teria sido resolvido há tempos se, em lugar de fazer programas midiáticos, o Governo tivesse criado uma carreira de Estado para os médicos do SUS, com remuneração adequada e oferta de condições reais de trabalho.
Vou me limitar a estes três pontos, mas podem estar certos que as críticas são muito maiores. Precisamos mudar essa situação em prol de uma assistência de qualidade para o paciente e pela valorização dos nossos médicos. Fechar os olhos a esta realidade é equívoco grave, que, como disse antes, será cobrado das futuras gerações.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero) tem sido um espaço importante de luta por esses objetivos. Ao questionar politicamente as medidas adotadas, denunciar os erros da gestão e fiscalizar a boa prática médica, essa importante entidade cumpre seu papel. Para tanto, a autonomia, a independência e a isenção são fundamentais. Por isso, seu corpo de conselheiros deve ser composto por homens e mulheres que não tem vínculos que comprometam esse trabalho.
A presença de pessoas com cargos importantes em órgãos do governo, por exemplo, me faz questionar se o Cremero terá fôlego para continuar agindo como tem feito. Será que ele não ficaria subordinado aos interesses de um grupo específico? Certamente, sem essa reação do Cremero, esse grupo não enfrentaria resistência para continuar agredindo o cidadão e o médico rondoniense com medidas e ações que em nada contribuem para uma saúde melhor.
Quero continuar sentindo orgulho de meu Estado e manter-me ativo na luta contra os interesses que prejudicam nossa população. Por isso, peço a todos a reflexão necessária que pode ser a diferença entre a submissão e a altivez. Cabe a nós decidir como queremos ser reconhecidos.

Jose Hiran Gallo


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