A vida
é curta, a arte é longa, a oportunidade é fugaz, a experiência
enganosa, o julgamento difícil.
Hipócrates (470-377 a.C)
O exercício da função honorífica de conselheiro de uma
instituição de ética demanda responsabilidade, conhecimento,
isenção e desprendimento de alguns interesses pessoais.
Responsabilidade,
conhecimento e isenção porque, entre as atividades do conselheiro
há uma que requer senso de justiça – este, para ser exercido como
deve ser requer essas virtudes. Julgar é sempre um função difícil
que requer, além delas, sólido caráter de modo que aquele que
julga não se deixe influenciar por fatores que põem em risco a
proposta de fazer justiça.
Considerando
ser o conselho de ética profissional fundamentalmente um tribunal
que julga ações supostamente antiéticas de pessoas da mesma
profissão, é aceitável que a sociedade em geral coloque sob
suspeita a isenção desse julgamento. O corporativismo, em tese,
seria o fator que põe em risco essa necessária isenção. E nenhuma
defesa verbalizada será suficiente para derrubar esse preconceito:
não basta dizer que não é assim, é preciso demonstrar que não é
assim. Somente a demonstração clara de que os culpados terão
punição compatível com o tipo e o grau de sua culpa poderá mudar
essa crônica pecha difundida sobre os conselhos de ética
profissional – não só sobre os de ética médica, mas também em
relação aos das demais profissões.
No que
se refere a desprendimento necessário a quem se dispõe ser
conselheiro, este está ligado ao fato de, como foi dito, tratar-se
de um cargo honorífico – não remunerado, portanto. A maioria dos
médicos tem muitos afazeres no exercício profissional. Por vezes,
os momentos que poderia se dedicar ao lazer ou ao repouso são
tomados pela função. Os conselheiros que fazem parte da diretoria
do conselho precisam disponibilizar ainda mais tempo para a função,
visto que exercem atividades em maior número que as dos demais
conselheiros. Além atuações nas áreas didática, judicante,
reguladora e fiscalizadora, os diretores exercem funções
administravas. Na didática, elaboram pareceres relativos a consultas
éticas; na judicante, atuam em várias etapas que vão da apuração
das denúncias, através de sindicância. Quando a denúncia leva à
conclusão que deve ser aberto um processo ético-profissional, o
conselheiro conduz esse procedimento até o final. Periodicamente, os
conselheiros se reúnem na Câmara de Julgamento.
Ao julgar eticamente seus colegas, o conselheiro pode pagar o maior
tributo de sua função. Todos aqueles considerados culpados
dificilmente aceitam que um conselho formado por colegas seus o
tenham condenado. Em algumas situações mais graves, o culpado
poderá até ter seu direito de exercer a medicina cassado.
Certamente que não é fácil para aquele que sabe das dificuldades
impostas para a formação profissional de um médico, decidir por
uma condenação desse nível. O mesmo pode acontecer em outras
situações que variam da advertências à suspensão da atividade
profissional por determinado tempo. Todas as condenações podem
servir de endosso agravante quando, concomitantemente, tramita uma
processo de responsabilidade civil – em outras ocasiões, o
denunciante aguarda o resultado do julgamento ético para, em caso de
condenação, entrar com a ação cível ou criminal na justiça
comum.
Aquele
médico que decidir fazer parte, como conselheiro, do seu conselho de
ética, jamais deve fazê-lo apenas por vaidade ou pressupostos
menores. A função é dignificando, e só deve ser exercida por quem
tiver plena consciência do que ela representa para o exercício da
medicina e para a proteção da saúde da população no âmbito de
sua competência. Aquele que não se enquadrar nesse pressuposto,
poderá ser um fator de desserviço para todos os envolvidos. Ser ou
não ser conselheiro, eis a questão. Caso seja esse seu dilema,
colega, pense nisso antes de tomar essa decisão.
* Hiran Gallo 1º
Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina e doutorando em Bioética
(Universidade do Porto – Portugal)